quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Cerejeiras da vida

Olívio não soube o que acontecera frente a seus olhos. A pálida face embebida em seiva própria, os fios longos, ruivos, envoltos pela viscosa polpa estagnada, tais humanos membros tão frágeis, descansando suavemente, pelo quais ramificações vivas retocavam-lhe as características leitosas. Tal quadro o perturbava de tal forma que seu corpo não se movia, era regido por uma natureza maior; terrificante.

Não sabia o que ocorrera consigo. Em meio às lamurias por onde a curiosidade abre caminho, através de astuciosas espreitadelas deparou-se com olhos profundos, de um rubi puro e cristalino, onde a pupila pulsava lânguida, prestes a extinguir-se, e tudo silenciou.

Olívio não era mais. Sua desfocada visão permeando a densa floresta que o envolvia apenas conseguia deter-se às centelhas da triste e viva chama púrpura, que era exalada pelo vislumbrar vívido. O ar rarefeito fazia com que aquela profunda visão o acometesse de vertigens. Seus sentidos fartavam-se dos raios violetas enchendo-o de angústia e medo.

Seu coração pulsou.

Estava deitado nas raízes de uma frondosa cerejeira paralela a um pacífico casebre, enquanto a tarde deitava tranquilamente consentindo com a estreita vereda. Olívio refletiu, não sabia ao certo o que fora aquilo, - um sonho talvez -, e apesar de sua inquietação, recostou-se novamente na árvore observando seus galhos, suas ramificações.

Percorria com os olhos cada artéria. Via naquela trama viva tantos encontros e desencontros que, a cada singela cereja que surgia, por menor que fosse, afigurava-se com tamanha intensidade em sua mente, que por um momento chegou a acreditar que sua cor fosse sua essência, incutindo-lhe a vida, desde sua tenra idade até seu lento definhar, - e tudo parecia tão natural.

- Sou cereja? Olívio indagou.

Mas não houve uma resposta antes de suas pálpebras cerrarem-se novamente.

Olívio não era mais.
Creative Commons License
Esta obra está licenciada sob uma Licença Creative Commons.